domingo, 4 de julho de 2010

Questões do português

02 de Abril de 2006

As Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett fizeram-me estudar novamente as Invasões Francesas de 1807-1811 e verifiquei que, desde o início, o Algarve foi ocupado por regimentos franceses e isso levou-me a outra ordem de pensamentos: exatamente à Praia de S. Roque e a uma espécie de bivalves que lá se apanham na altura das marés grandes. Aquele cujo nome varia de lugar para lugar onde é apanhado; em Lisboa são cadelinhas e cá no barlavento são conquilhas ou condelipas.
Se nos quisermos debruçar sobre o assunto, acho que, com estes bivalves aconteceu o mesmo que com muitas outras coisas que temos: foram os de fora que nos ensinaram a reconhecer e a aprender a gostar daquilo que temos e não damos a nossa menor atenção até que um dia chega alguém de fora e nos mostra como é bom.
Se tomarmos atenção à palavra conquilha, ela é uma adaptação da palavra francesa conquille e certamente não é pela erudição da população do barlavento, mas sim porque os soldados franceses já conheciam este género de alimento e ensinaram aos nativos a cozinhá-los para eles e claro que quem cozinha, prova e gostaram e adoptaram o nome para conquilha e o alimento.
No entanto, reza a lenda que não foi só a soldadesca que gostou das conquilhas. Diz-se que havia um general ou um comandante francês de Napoleão Bonaparte cujo passatempo favorito era apanhar conquilhas na Praia de S. Roque (até Alvor): era o conde de Lippe. Certamente algum português perguntou aos seus soldados franceses, em português, apontando para o conde:
- Ele, que faz?
E o soldado francês, que não tinha estudado português, teria respondido:
- Conde de Lippe. (pensando que lhe estariam a perguntar quem ele era)
O português, de certeza, que foi ter com ele, porque somos muito curiosos, e disse-lhe:
- Condelipa?
√ Sim.
O comandante teria no pensamento a sua pessoa e o lacobrigense aquilo que ele estava a apanhar.
Imediatamente se pôs a imitar o general e este ria-se do jeito do português e o português ria-se de ver o conde de Lippe a rir-se e ia enchendo os bolsos de condelipas.
Quando ia chegando a casa, sai-lhe a mulher a caminho e pergunta-lhe:
→ Que andaste tu a fazer que trazes os bolsos e as calças todos molhados? (meio a rir, meio séria).
Ele diz-lhe, muito atrapalhado:
- São condelipas.
→ E isso serve para comer?
- O comandante diz que sim.
→ Ponho isto a cozer numa panela com água e depois logo se vê.
Assim passou a existir mais uma palavra nova na nossa língua – condelipa para designar aquela espécie de bivalves. ❐

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