terça-feira, 19 de outubro de 2010

Rio Douro

Nesta época de vindima e pós-vindima venho partilhar convosco este poema dos anos 1960s que depois foi traduzido por mim.
Port Wine
O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova York e no Rio e em Buenos Aires:
Quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bares.
O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.
Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham-se a cristais cheios de rubis
em Cape Town, em Sidney, em Paris
tem um sabor generoso e fino
e sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas.
Nos entrepostos dos cais em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.
Em Londres os lords e em Paris os snobs
no cais e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe
a tristeza infinita de um destino.
O rio Douro é um rio de sangue
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!
Liberta-te, meu povo! - ou morre.
Poema escrito por Joaquim Namorado in livro A Poesia Necessária (1966)
Port Wine
Douro is a river of wine
that has its mouth in Liverpool, in London,
in New York, in Rio and in Buenos Aires:
when arriving at the ocean it goes in ships,
creating its own mud in old wine casks
ending up in clubs and bars.
Douro is a river of boats
where ferrymen row their misfortunes,
first their lives are sinking in land,
though in the river are sinking the barges.
With exquisite desserts the bottles
are similar to crystals full of rubies
in Cape Town, in Sidney, in Paris
it has got a generous and fine flavour
the blood that we export from the docks in casks.
The borders of Douro are rocky hills
fertilized with the blood and sorrows
where my people dig the vineyards
as if they were opening their own graves.
In warehouses, in store houses,
merchants trade in sterling
the wine which is the blood of my people's bodies
poor coins are for their destinies.
In London, the lords and in Paris the snobs
in Cape and in Rio the rich landowners
find in port wine a divine flavour,
but to us it only tastes, it only tastes
of a destiny of infinite sadness.
Douro river is a river of blood
where flows the blood of my people.
My people, get free, get free!
Get free, my people! - or die.
Traduzido por mim.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

AS MINHAS LEITURAS

in revista EXAME n.o300 de Abril de 2009; editora IMPRESA Publishing, Lisboa.
“Os 20 anos de Dilbert” texto de Sara Fonseca; pp.232-33.
Dilbert é um personagem criado por Scott Adams. Scott Adams que foi despedido do Crocker National Bank, em São Francisco, por ser apenas mais um funcionário banal a tentar chegar a um cargo de gestão de topo. Desde miúdo que sofre de uma disfunção espasmódica que impede as suas cordas vocais de vibrarem normalmente, o que o leva a treinos de leitura constantes. Tem uma veia criativa de desenho brilhante.
Neste mês de Abril de 2009, o seu personagem – Dilbert – festeja o seu 20.o aniversário. As suas tiras já foram publicadas em dezenas de livros e mais de dois mil jornais em 70 países e granjearam a Scott Adams, o National Cartoonist Society Reuben Award. Presente várias vezes no ranking dos 50 pensadores de Gestão mais influentes do mundo, chegou mesmo ao 12.o lugar em 2005.
Dilbert deve o seu sucesso à empatia que cria com os seus leitores, vivendo uma realidade kafkiana e ilógica, imersa em ignorância e falta de ética, tem a coragem de verbalizar, com grande simplicidade, as verdades corajosas para questões absurdas.
Ao contrário do que seria esperado, as empresas tendem a promover os empregados menos competentes para cargos de gestão na tentativa de minimizarem o potencial dos erros que estes possam cometer.
Se o bónus anual não é para todos, o que fazer durante a análise de desempenho individual? Denegrir a imagem dos colegas.
Qual a melhor política de actuação de um chefe? Explorar os funcionários até ao limite e, quando os seus conhecimentos se tornarem obsoletos, despedi-los.
Se o chefe não sabe o que fazer, o melhor é tomar alguma medida de dispersão que disfarce a sua incompetência.
Da definição de orçamentos desajustada à realidade, à penalização dos empregados pelos erros de gestão, à atribuição de projectos condenados ao falhanço, a políticas de recursos humanos de índole questionável, muito é o que o Dilbert tem para usar.
Quem não conhece um chefe com uma falta de ética constrangedora que usa termos que nem o próprio percebe para disfarçar a sua ignorância.
Quem dirige o departamento de recursos humanos com um prazer sádico em ver os funcionários preocupados com os seus postos de trabalho.
Uma secretária que destila ódio e a quem o chefe faz constantemente questão de relembrar que nunca a promoverá, apesar de ter um MBA.
Um dos engenheiros mais velhos da companhia que detesta o que faz e que tira o máximo proveito de qualquer situação para benefício próprio.
O recém-contratado, tão inteligente quanto ingénuo, que se esforça em vão por fazer o seu trabalho o melhor possível.
Numa entrevista à CNN, Scott Adams disse acreditar que o ambiente empresarial é actualmente mais duro do que há vinte anos.
Resta esperar pelas novas desventuras deste engenheiro solitário que prometem não desiludir.
Muita matéria interessante têm os trabalhadores de todo o mundo para oferecer a Scott Adams!❐